pacto narcísico subalterno: o privilégio amarelo também é racismo.
{parte um}
as aspas ocultas do privilégio amarelo no jogo colonial da branquitude.
ser amarele no brasil é usufruir de acesso a bens materiais e simbólicos, que somente a branquitude tem o poder de determinar a validade de uso (durabilidade no tempo) e a extensão do alcance (onde, como, até que ponto).
sendo assim, o privilégio amarelo pode ser entendido como um privilégio racial com aspas ocultas, criado para ser condicional ao invés de essencial, um privilégio sob custódia conforme os interesses e as regras ditadas pela branquitude, enquanto houver prestação de serviços de pessoas amarelas à manutenção da ordem colonial branca.
em territórios colonizados, a presença amarela cumpre tornar funcional a gradação da hierarquia racial, idealizada pelos teóricos do racismo científico no século 19, diluindo subjetivamente a relação metrópole-colônia/colonizador-colonizade no tempo e no espaço, para naturalizar a desigualdade racial-de gênero-sexual-econômica-política-social como resultado de “eventos” recentes, e o privilégio branco, como a peça mais poderosa do tabuleiro atual, ao invés do que de fato é: expropriador do tabuleiro, falsificador das peças e corruptor das regras.
eis o jogo colonial da branquitude: o poder de exercer violência, por ilegítima defesa de si, quando é tão somente quem ataca, saqueia, desumaniza para existir.
{parte dois}
a máscara branca e o delírio amarelo no roubo colonial.
na invasão colonial, os termos/significantes/colonizadores invadem conjuntamente território e subjetividade para impor seus significados.
mas falar de privilégio branco não se restringe ao campo do significante/significado. assim como, falar de privilégio amarelo não implica em deduzir, da não simetria com o privilégio branco, a justificativa de que pessoas amarelas, portanto, não são racialmente privilegiadas.
“ocorre” que vivemos todos, racialmente desiguais, no mundo artificial produzido e estruturado pelo racismo: o mundo branco como o beco-sem-saída da colonialidade para pessoas racializadas. é nele em que “privilégio branco é racismo”, como nos ensina Tatiana Nascimento, e também, onde o benefício da violência é o roubo colonial que pessoas brancas socializam entre si, pelo “pacto narcísico da branquitude”, como nos ensina Cida Bento.
então, se o privilégio branco é ao mesmo tempo expropriador e beneficiário direto do roubo colonial, proprietário do acúmulo de séculos de violências contra povos pretos e indígenas, o privilégio amarelo é acionista minoritário no atual empreendimento colonial de desumanização, a receber ganhos socioeconômicos e simbólicos do racismo estrutural numa espécie de pacto narcísico subalterno com a branquitude.
{parte três}
privilégio amarelo como crime continuado da branquitude.
parte do delírio colonial que nós amareles fomos condicionades a ler o mundo está em usufruir do trabalho/vida/subjetividade de pessoas pretas e indígenas, de mais de três séculos de escravização, na forma de vantagens socioeconômicas no presente, como se esses bens econômicos/materiais/simbólicos fossem resultado exclusivo do nosso próprio trabalho, feito colheita de um plantio recente: delírio amarelo que exprime a naturalização do genocídio, do roubo colonial do sagrado das terras, da memória, do conhecimento e das vidas dos povos originários.
contudo, no único sistema-mundo-branco-patriarcal-capitalista-colonial existente, o roubo colonial é contínuo e atual, matéria prima e produto final de todas as vantagens simbólicas e socioeconômicas do que historicamente constitui o privilégio branco/racismo, situado no tempo-espaço presente, como crime que não termina nem prescreve, sob o benefício da certeza de nunca ser condenado mesmo quando assumido pela “branquitude crítica” (ver Lourenço Cardoso).
falar de privilégio amarelo, então, é reconhecer que somos beneficiades direta ou indiretamente pela violência ininterrupta produzida colonial/racialmente através do acesso que temos aos bens do racismo estrutural, aos bens dos genocídios negro e indígena, velados como “apenas” materiais e simbólicos.
não se trata, portanto, de nos despirmos da máscara branca no agora, como adorno flagrante do pacto narcísico subalterno em curso, mas de compreendermos que as vantagens socioeconômicas e simbólicas do privilégio amarelo endossam o roubo colonial como crime continuado da branquitude, que determina para pessoas pretas e indígenas a negação, no passado-presente-futuro, do direito de viverem digna e humanamente.
como nos ensina Cida Bento, “reconhecer a discriminação significa encontrar um lugar para seu próprio grupo dentro do processo que gera a desigualdade”(2002), tarefa histórica que cabe exclusivamente a nós, pessoas amarelas, em cuja travessia do desembranquecimento nos situamos, sob a responsabilidade incontornável de criarmos meios efetivos para a ruptura subjetiva e objetiva do pacto narcísico subalterno com a branquitude.
Referências:
BENTO, Cida. Pactos Narcísicos no Racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público, 2002.
NASCIMENTO, Tatiana. a noção de “privilégio branco” pode (ou não) implicar em responsabilidade racial, 2021. Texto publicado no perfil da autora no Instagram, @branquietude, branquitude & seus silêncios.
FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas, 1952.
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